A digitalização da economia avança, com novos modelos de negócio e com a transformação dos negócios tradicionais, estabelecendo circunstâncias adversas ao sistema tributário constituído e ao seu instrumental técnico. Boa parte das maiores (em valor de mercado) empresas do mundo são relativamente pouco tributadas simplesmente porque as tecnologias que utilizam em seu negócio não são, em grande medida, mapeáveis pelo instrumental técnico e legal à disposição dos Fiscos. Em geral, as plataformas de comércio eletrônico[1] (de prestação de serviço, venda de mercadorias, pagamento) trazem grandes dificuldades à ação fiscal na medida em que tecnologias envolvidas inviabilizam a implementação de controles. Em escala reduzida já observamos dificuldades semelhantes nas iniciativas de tributação das empresas de telecomunicações (presentes no debate entre SVA e SCM[2]).
Os elementos de conexão que vinculam uma transação comercial a determinado ordenamento tributário, surgem a partir dos princípios da territorialidade e da pessoalidade (território e povo). A Era Digital avança dificultando, ou mesmo impossibilitando, estas conexões na medida em que invalida pressupostos daqueles princípios. Como exemplo, já podemos afirmar que não é possível determinar o local da prestação do serviço nas situações em que este serviço é prestado na web.
Sobre a rastreabilidade do local da operação tributável
As plataformas de comércio eletrônico são utilizadas por empresas que podem estar dentro ou fora do país. Boa parte destas plataformas está hospedada, total ou parcialmente, em Nuvens, que são redes de computadores que trabalham de forma cooperativa, mas que podem estar espalhados pelo mundo. Não há um ponto focal ou um Centro de Distribuição com endereço conhecido a partir do qual uma Nuvem preste o seu serviço.
Quando se contrata um serviço que funcione na Nuvem (um site de vendas, a hospedagem de sistemas e de dados de uma organização são exemplos), não se define a priori em que local físico (identificação e localização dos equipamentos servidores que serão envolvidos) simplesmente porque na base da eficiência desta tecnologia está a indeterminação a priori de qual hardware atenderá a um determinado cliente - e estes equipamentos podem estar espalhados por países distintos – e no fato de que esta vinculação (entre clientes e computadores que suportam seu processamento) varia a cada sessão.
A contratação destas Nuvens pelas empresas é uma tendência crescente. Se a TI já é uma das maiores despesas (frequentemente a maior) de todas as grandes organizações é provável que o gasto com estas Nuvens se torne o maior investimento de tecnologia que farão de forma contínua. Aliás. aqui está um exemplo de grande negócio (serviços de hospedagem em nuvem) da atualidade, que movimenta bilhões e não é não devidamente tributado.
Serviços interessam, e muito
Nosso país, com a exígua companhia de apenas dois países da América Central, contraria o mundo ao tributar em separado Produtos e Serviços. Esta distinção não faz sentido no mundo físico e menos ainda no digital. A questão se agrava quando o produto comercializado não é tangível (mercadoria), ou quando se contrata o uso de tangíveis embutidos em serviço contínuo ou de longa duração. Um caso atual[3] exemplifica: Um dos maiores fabricantes de tratores em operação no Brasil tem privilegiado a venda de serviços de aragem e plantio (com utilização dos tratores) à venda de seus equipamentos.
Com a eventual reforma tributária, os serviços (70 % do PIB), passam a interessar sobremaneira, independente do debate federativo no contexto de repartição de receitas. De todo modo, a efetiva tributação dos serviços que surgem com o mundo digital deve passar pela revisão dos mecanismos de controle e de paradigmas ou institutos tributários. Assim, poderão ser tributados sites como os de apostas que hoje movimentam 12 bilhões de reais no Brasil[4].
Tributação: O foco deve estar no consumo
Entre as ações necessárias ao estabelecimento de bases efetivamente tributáveis na nova economia, destacamos aquelas que objetivam criar os anteparos para que se possa concentrar a atenção fiscal no destinatário da operação (o beneficiário do serviço ou destinatário do bem), relegando a segundo plano a origem da mercadoria ou o local da prestação do serviço. Ao estabelecer esta restrição, podemos identificar alternativas, em diferentes estágios de sofisticação, de suporte tecnológico à efetiva atuação do Fisco. Suporte que se mostra falho, ou mesmo inexistente, quando se procura atuar na origem das operações.
Um novo regramento, devidamente apoiado tecnologicamente, que estabelecesse o foco da tributação no Consumo, viabilizaria a construção dos mesmos instrumentos de controle para as operações de importação e de venda interna.
Acreditamos que, de modo independente aos diversos motivos que justificariam uma reforma tributária no Brasil, a rápida evolução da economia digital e as transformações que naturalmente são impostas aos que operam parcialmente fora desta economia exigirão, per si, mudanças no sistema tributário que impeçam a erosão das bases tributáveis conhecidas (que estão encolhendo) e que se prolongue a perda de oportunidades de tributação das novas bases (que estão se expandindo).
[1] Comércio Eletrônico Indireto: Venda de mercadoria (bem tangível) e intermediação para contratação de serviços; Comércio Eletrônico Direto: Consumo do Serviço diretamente na Internet e aquisição de bem intangível.
[2] SVA: serviço de valor agregado; SCM: serviço de comunicação multimídia
[3] Fonte: "Indústria 4.0”. Documentário, Delloitte Brasil (https://youtu.be/QWWQr6TmWGQ)
[4] Fonte: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2023/03/13/sem-regulacao-apostas-online-esportivas-giram-r-12-bilhoes.htm